O logo da Copa do Mundo de 2014 como símbolo do Brasil

É fato que poucos são os eventos mundiais que aproximam os povos tanto quanto a Copa do Mundo. E, embora se trate de um negócio pertencente a uma empresa privada – a Fifa –, exige esforços e reforços públicos para que se concretize, já que, mais do que de estádios e jogadores em campo, o megaevento depende de plateia nas arquibancadas e de infraestrutura para recebê-la no país-sede.

É verdade também que pouco pode intervir o povo anfitrião nas questões referentes à organização e à realização do Mundial. A Fifa dá as cartas e cabe aos “escolhidos da vez” torcer e, se forem ágeis e tiverem senso de oportunidade, aproveitar para vender seu peixe. Como se diz, é uma chance única para o país do ponto de vista econômico. Mais do que poder explorar o momento para realizar projetos profissionais, os brasileiros estarão na mira dos holofotes dos demais 31 países participantes – se não de todas as nações em que haja quem aprecie o futebol. É hora de mostrar a nossa melhor faceta, deixar gravada uma boa imagem, que se propagará no futuro por muitos anos.

Tudo para dizer que o logo que se apresentou recentemente para a Copa brasileira de 2014 poderia, mas não necessariamente deveria agradar à nação anfitriã, muito menos a quem quer que seja, fora a Fifa. No entanto, se o que se pretende é firmar a competição como um evento que reúne povos – inclusive que é vendável e lucrativo  em qualquer país que se realize –, não faz sentido que o símbolo, o ícone gráfico escolhido possua divergências em relação ao simbolismo acreditado e praticado naquele país. Seria o mesmo de se vender gato por lebre – ou melhor, lebre por gato.

Não se pretende aqui defender a beleza (ou a falta de) do logo eleito. Antes, é preciso dizer que se espera que o desenho siga certos preceitos de design e estética e respeite normas referentes a estes quesitos que, se não são universais, são sinônimo de profissionalismo e boa prática do desenho gráfico. Indo mais além, era de se esperar que a marca viesse, a cada nova edição da Copa, de uma evolução natural em campos como as artes gráficas e a tecnologia. Não se pode, contudo, falar em retrocesso, pois neste caso ele seria bem aceito: basta ver os logos de Copas de uma década atrás para perceber que já foram mais limpos, mais bem resolvidos e, consequentemente, mais bonitos do que o que temos para (e até) 2014.

Como se não bastasse, o processo de escolha está repleto de atos mal-explicados. Quais foram as agências que criaram modelos para a concorrência?; Por que a decisão coube a “notáveis” que, apesar de o serem, não são, em sua maioria, nomes representativos, nem mesmo pertencentes ao cenário do design?; Quem são os criadores, os profissionais que inventaram e desenharam o logo, e em que se inspiraram? (falou-se numa foto como inspiração, que foto?); Por que o desenho não revela, nem esconde, indícios da simbologia do esporte e do povo que abrigará os espectadores do megaespetáculo em 2014?

Para tornar as coisas ainda mais obscuras, as respostas, quando buscadas pela imprensa e pela opinião pública, foram veementemente negadas ou mal-dadas pelos envolvidos. “Ainda este assunto? Ele já está velho, não acha?!” foi o que esta que vos escreve teve de ouvir de uma assessora de imprensa da agência de publicidade vencedora – ironia ou não, de nome África. Velho? Falamos de um evento que se realizará daqui a quatro anos!

Como já foi dito em meio a tamanha polêmica e indignação, o logo da Copa de 2014 no mínimo vem nos mostrar que este é um espetáculo que não nos pertence, para o qual só seremos chamados para arcar com as responsabilidades em sediá-lo – incluída a obrigação de bem-receber os turistas, ajudar a lotar os estádios e sorrir para as câmeras na hora do show. Não esperemos mais do que o papel de figuração, a não ser que saibamos, com o nosso “jeito”, tirar melhor proveito das oportunidades que se lançam.

É de se concluir que, com o símbolo feito de mãos em torno de uma taça, a Fifa nos tenha mandado o recado de que tanto faz a nossa opinião, o nosso agrado. Teremos de engolir a Copa até e durante 2014, com bola – alguém lembrou da polêmica Jabulani? –, logo e tudo. Boa digestão, Brasil.

Texto escrito para a disciplina ‘Esporte e cultura’, lecionada pelo professor Sergio Rizzo (Pós-Graduação em Jornalismo Esportivo, Faap/SP)

Matérias que escrevi para o UOL Esporte sobre o tema:

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